Quem ficou fui eu conta a história de uma filha que cuida da mãe com Alzheimer. Produção foi o PGCAV de estudantes do curso de Cinema e Audiovisual da ESPM-SP
O curta-metragem Quem ficou fui eu, produzido por estudantes da ESPM, foi selecionado para a Mostra Competitiva Primeiros Quadros do 34º Festival Curta Cinema. A produção é uma das 158 aprovados pelo evento, que acontecerá de 23 a 30 de abril, no Rio de Janeiro.
O filme foi o Projeto de Graduação em Cinema e Audiovisual (PGCAV) de Julia Gasparian, Lucca Caroli, Luiza Pace, Maria Garé e Maria Vicente, que concluíram o curso no fim de 2024 na ESPM-SP.
“O PGCAV é a materialização de toda uma pesquisa que consolida a formação do grupo nesse final de faculdade”, explica Adriana de Sá Moreira, professora de Cinema e orientadora do projeto.
Falando sobre Alzheimer
Dirigido por Luiza Pace e Maria Garé, Quem ficou fui eu conta a história de Sandra, uma mulher que abandona o mercado de trabalho para se dedicar aos cuidados com sua mãe, diagnosticada com Alzheimer.
Ao longo de 20 minutos, o curta mostra a protagonista enfrentando desafios emocionais e financeiros causados pela exaustiva rotina de atenção e adoecimento. O tema foi proposto pela proximidade de alguns dos integrantes do grupo à doença.
Faltava o enfoque: no início do projeto, conversaram com Miriam Morata, escritora que publicou livros sobre a experiência de ser cuidadora dos próprios pais.
“Ela disse que deveríamos fazer o filme da perspectiva de quem cuida. Ninguém fala do cuidador”, relata Garé. A partir disso, os estudantes entrevistaram mais cuidadores parentais e profissionais para conhecer a rotina deles.
Fase de pesquisa
“O filme vai surgir a partir da pesquisa.” A frase da orientadora do grupo serviu como um guia para seus integrantes, já que todas as decisões do filme tinham que ser justificadas no trabalho escrito.
“Eles fizeram uma investigação minuciosa sobre esse tema, que demanda a aplicação de uma série de metodologias de pesquisa, além de uma pertinência e proposta mercadológica para que este produto audiovisual tenha uma longevidade realista no mercado audiovisual brasileiro”, conta a professora.
Segundo Lucca Caroli, diretor de fotografia de Quem ficou fui eu, a profundidade e delicadeza do assunto fez com que o grupo buscasse uma abordagem que refletisse a realidade e a densidade do cuidado do Alzheimer.
“Fizemos muitas entrevistas, fomos atrás de conhecer bem o assunto para, então, termos uma legitimidade a fim de conseguir trabalhar bem em cima e construir um roteiro”, diz ele.
Gravações
O curta foi gravado em quatro dias em Arujá, município que fica a cerca de duas horas de distância de São Paulo. Por ser a cidade onde mora a família de Maria Garé, a equipe pôde fazer várias visitas técnicas antes da gravação, que aconteceram, principalmente, na casa de uma tia-avó da diretora.
O quinteto contou com o apoio de amigos, familiares, patrocinadores e da Lei Paulo Gustavo, que incentiva projetos culturais. A equipe contou ainda com o auxílio de estudantes de outras turmas de Cinema e Audiovisual da ESPM.
Trata-se da etapa que a Adriana mais se orgulha: “Os estudantes desenvolvem muitas atividades ao longo do curso, inclusive projetos práticos, que passam por todas as fases da cadeia produtiva do audiovisual, desde o desenvolvimento até a finalização. Eles chegam no último ano da faculdade já tendo passado por tudo isso”.
Luiza Pace, também diretora do filme, reforça que o objetivo do grupo foi focar na história e no drama entre as duas personagens. “Queríamos trazer a realidade, e não uma coisa romantizada. Tentamos trazer o máximo de fatos e verdades ali possíveis”, completa Julia Gasparian, diretora de arte do projeto.
Seguindo essa perspectiva, o grupo convidou duas atrizes consagradas no teatro e no cinema para viverem as protagonistas do curta: Georgette Fadel como Sandra, e Teuda Bara como Helenir, sua mãe.
“Essas atrizes têm um perfil mais naturalista de atuação, são muito versáteis e têm trabalhos no teatro e no audiovisual com densidade, uma dualidade muito importante”, aponta Garé. A produção traz a complexidade dessa relação, na qual há muito afeto, mas que, ao mesmo tempo, está desgastada.
Estética
A equipe usou como referência estética o neorrealismo italiano, trabalhando principalmente com a luz natural da residência onde gravaram. “Olhamos para aquela casa como ela é. Não precisamos de luzes exuberantes, algo que ia mudar a realidade das personagens. Quisemos entender como ela funcionava do início ao fim do dia e como a luz poderia preencher aquele espaço de forma natural, mas também realçasse um pouco essa dramaticidade.”, ressalta Caroli.
De acordo com Pace, a câmera é uma espécie de personagem do filme, mesmo que não esteja participando. “É como se colocássemos o público para passar um dia como tantos outros que a Sandra vai ter na vida dela até algo acontecer”, afirma.
Exibições
O PGCAV propõe que os estudantes provem que o projeto é um produto viável e estabeleçam os passos que seguirão para levar essa produção para o mercado audiovisual. No caso de Quem ficou fui eu, o objetivo inicial é apresentar o filme dentro e fora de festivais de cinema.
Um dos momentos mais emocionantes desse processo para a equipe foi a exibição do filme para cuidadores de pacientes de Alzheimer. O evento contou com a presença de Miriam Morata, a escritora que os estudantes consultaram no início do projeto.
“Sabia que a gente tinha feito um filme legal, ficamos felizes com o resultado, mas meu corpo não relaxou até o momento em que ela [Miriam] pegou o microfone e disse que conseguimos representar exatamente o que os cuidadores fazem”, conta Garé. “Outras cuidadoras também deram depoimentos que nos tocaram. Pretendemos fazer mais exibições para cuidadores. Essas são as pessoas com quem queremos falar.”
Selecionado para o 34º Festival Curta Brasil, Quem ficou fui eu será exibido no dia 26 de abril, às 18h, na Estação NET Rio, no Rio de Janeiro. “Foi muito legal já ter uma indicação e estar na Mostra Competitiva Primeiros Quadros, que é justamente para realizadores que estão começando a carreira e tal.”
O quinteto segue inscrevendo o curta para festivais e, no futuro, pretende buscar distribuidores, como serviços de streaming.
Cinema e Audiovisual na ESPM-SP
A indicação do trabalho dos estudantes ao festival serve como validação do que está sendo desenvolvido no curso de Cinema e Audiovisual, que teve sua primeira turma em São Paulo em 2019 e foi reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC) em 2022.
“Quando vemos um processo como esse, acho que só reforça a importância de uma formação sólida como a do curso de Cinema e Audiovisual que desenvolvemos”, relata Adriana. “É uma validação do que já fizemos, mas, acima de tudo, é um incentivo para que não deixemos de acreditar nessa formação e continuemos esse trabalho para que outros estudantes também tenham essa trajetória.”
Assista ao teaser do curta: