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‘A comunicação é um fator de transformação ambiental e racial, que pode construir e mudar a sociedade’

Tawane Silva, aluna do Fill the Gap e Diretora Criativa Associada da GALERIA.ag, é destaque da lista 30 Under 30 do Meio & Mensagem. Conheça a trajetória dela

 

Tawane Silva, publicitária de Mogi das Cruzes, em São Paulo, foi uma das selecionadas para a 4ª edição da 30 Under 30, lista do veículo Meio & Mensagem que tem como objetivo reconhecer e dar visibilidade a jovens talentos brasileiros, profissionais com potencial de impactar as transformações da indústria de comunicação, marketing e mídia.

 

Aos 28 anos, Silva, que é Diretora Criativa Associada da GALERIA.ag, já tem um vasto portfólio, que inclui passagens por diferentes agências publicitárias, o desenvolvimento de trabalhos como diretora de arte, a criação de um projeto de mentoria para mulheres periféricas e um Cannes Lions.

 

“Na sociedade como um todo, as mulheres foram ensinadas e criadas para serem inseguras. Quando a gente vai seguindo um recorte – por uma pessoa preta – tem um limite até onde dizem que podemos chegar, as coisas que eu poderia realizar”, disse ela em entrevista ao Blog ESPM. “Eu nunca fui uma pessoa que acreditou em si mesma. Tive sorte em como comecei, vejo um pouco da minha carreira nesse lugar, mas também teve muita dedicação e vontade.”

 

Integrante do conselho do coletivo Publicitários Negros (PN), ela participa da 2ª edição do Fill the Gap, curso realizado pela ESPM – autoridade em Marketing e Inovação voltada para negócios – em parceria com as agências AlmapBBDO, Artplan e Droga5, que busca capacitar altas lideranças e impulsionar carreiras de pessoas negras, indígenas, com deficiência, trans e não binárias.

 

 

Como foi descobrir que foi selecionada para a lista de 30 Under 30 do Meio & Mensagem?

Receber a notícia e descobrir que eu tinha sido selecionada me trouxe uma sensação de “não acredito nisso, tem alguém aqui mentindo para mim”. Eu nunca fui uma pessoa que acreditou muito em mim. Minha família nunca acreditou. Eu tinha dificuldade de entender português na escola, não acreditava na possibilidade de fazer faculdade ou de trabalhar em São Paulo.

 

Eu tinha vontade de fazer tudo isso, mas faço um processo consciente de tentar não acreditar para evitar me decepcionar. Daí sinto que olhar para um sistema, para coisas que são injustas comigo e com outras pessoas, me motivou muito a querer fazer e construir um lugar que muda as coisas.

 

 

Qual impacto esse destaque pode ter na sua carreira?

A validação dessa conquista foi muito especial para mim. A ficha começou a cair quando eu comecei a receber mensagens de amigos meus da escola — e é sobre esse tipo de impacto que eu gostaria de falar. Não o impacto que vai vir daqui a cinco anos para minha carreira, mas o que veio horas depois, um dia depois.

 

Acho importante falar sobre o quanto a gente alcança pessoas que ainda estão nos lugares de onde a gente saiu. Pessoas que talvez achem que não têm muitas possibilidades ainda de carreira e, ao olharem para alguém como eu, entendam que, se uma pessoa próxima delas chegou nesse lugar, de alguma forma, elas também podem.

 

 

Por que você escolheu estudar Publicidade e Propaganda?

Quando estava no 2º ano do colegial, identifiquei que gostava muito de fotografia e de áreas mais artísticas, que não te limitavam dentro de uma coisa que, depois, eu fui descobrir que era criatividade. Pensando nisso, comecei a pesquisar na internet, com o pouco de internet que a gente tinha. Eu pesquisei aqueles testes vocacionais de escolha diária, foi quando eu identifiquei que publicidade e design eram possibilidades próximas.

 

Não sabia direito o que era publicidade, nem sabia o que me esperava, não sabia nada disso. Só que, quando dei início na faculdade, eu amei, realmente me identifiquei. Falei: “Cara, acho que eu estou no lugar certo”. Foi aí que identifiquei uma liberdade criativa – depois eu fui entender isso – que na escola a gente não tem. E a faculdade, especificamente o curso de publicidade, me deu muito essa liberdade criativa de falar de filosofia, sociologia, história da arte, seja o que for dentro dessa linha do que a gente pode estender como criatividade, que a gente quase nunca fala sobre.

 

 

O que te levou para a direção de arte?

Eu gostava de fotografia, cinema, grafite, desenhar quando era mais nova. Fui aprendendo Photoshop, Illustrator, e conseguindo fazer umas coisas visuais. Então, acabei unindo essas referências e identificando que era o que eu queria fazer. Na prática, você vai descobrindo que não é sobre o que está na gramática ou no texto da redação, mas no visual, no que as pessoas vão ver.

 

Também tinha algo que acho que me levou para esse lugar: eu sempre quis ajudar as pessoas a venderem melhor os seus negócios. Pequenos empreendedores mesmo, da minha tia que vende pano de prato ao moço do bar da esquina. A publicidade dele (o pequeno empreendedor) é testemunhal, ele vai lá e vende.

 

 

O que é a criatividade para você?

Para mim, criatividade é a união de referências. Assim como eu fui para a faculdade unindo referências e conselhos e entendi que publicidade era uma área para mim, é dessa forma que vejo as demais coisas, que me conduzi para a área de direção de arte. É dessa maneira que construo e penso ideias hoje, que acredito na criatividade como um todo. É literalmente a união de referências e o treino disso.

 

 

Qual foi a origem do projeto Periféricas, que dava mentoria para mulheres de fora dos grandes centros?

Criei o projeto no final de 2018, quando estava na primeira agência em que trabalhei em São Paulo, ainda morando em Mogi das Cruzes. Hoje eu moro em São Paulo, mas, na época, eu tinha uma carga horária muito grande para me deslocar, eram mais de duas horas para vir e mais de duas horas para voltar.

 

Tem ainda o contexto de que a publicidade sempre foi muito um espaço para homens, brancos, principalmente quando a gente está falando de uma área criativa. De repente, estava em uma agência de 50 pessoas e, entre as 20 da equipe criativa, era só eu e mais uma menina. O resto eram homens. Não fazia sentido. Como mulher negra que vem de um extremo de São Paulo, minha história naquele meio era muito única.

 

Comecei a pensar muito sobre isso e, assim, surgiu o Lab Periféricas. Não criei sozinha, muitas pessoas ajudaram, mas é um pouco da minha narrativa naquele momento: a de uma pessoa que tenta criar essa ponte entre um lugar e outro para mulheres periféricas que são mães, mulheres trans, que, antes da pandemia, tinham a obrigação de se deslocar até uma Vila Olímpia, por exemplo.

 

 

Das campanhas que você participou, qual é a que mais se orgulha?

A campanha do Itaú sobre a Copa do Mundo Feminina que me rendeu um Cannes Lions. A gente criou, com inteligência artificial, seleções que não existiram. Foi uma campanha muito emocionante, porque trouxemos jogadoras que não tiveram destaque – que, às vezes, ninguém fala ou lembra o nome – para imaginar como seria se elas tivessem ganhado, se não existisse existido a proibição do futebol feminino, anos e anos atrás.

 

 

Como você vê o futuro da sua carreira?

Quero ser a pessoa que ajuda, de fato, a construir uma comunicação no Brasil. Uma que não conversa só com o Sudeste, mas com todo mundo. A gente tem muitas formas de dizer a mesma coisa dentro de um mesmo país: o nordestino entende uma coisa que estamos falando aqui no Sudeste de outro jeito. Precisamos aprender a falar para essas pessoas. A publicidade acha que é só São Paulo e Rio de Janeiro, mas a gente precisa aprender a falar de outras formas e de outro jeito. Então, eu tenho muito essa necessidade de usar todo esse dinheiro e esse capital que vem das contas, das marcas, dos clientes e das agências, para, de alguma forma, retribuir à sociedade. Eu acredito muito nisso. Creio muito na lei Rouanet, na importância das empresas se vincularem a isso, na comunicação como um fator de transformação ambiental e racial. Tem tantas camadas que eu acho que a comunicação pode construir e mudar.

 

 

Como participar do Fill the Gap tem te ajudado nessa missão?

O Fill the Gap tem me ajudado a olhar para muitas coisas. Como pensar no futuro num lugar onde a gente demarca da pirâmide para cima? Como a gente estrutura pretos, gays, mulheres na liderança? Como a gente traz essa diversidade, puxa essa diversidade, não só para um?

 

E tem a IA no meio disso. Tem o futuro, o carro que voa, isso, aquilo… quando a gente nem resolveu a vida real. É um conflito do que é mais importante, de fato, entendeu? É um pouco disso também: como não fazer muita pressão, mas fazer pressão.

 

 

Leia perfis de outros participantes do Fill the Gap:

Milena Cruz: ‘Viver em mundos diferentes me fez uma pessoa criativa e questionadora’

Mayara Marley: ‘Quando entendi que minha origem, história e visão periférica eram ativos valiosos, tudo mudou’

Renan Damascena: ‘A autonomia me levou a ter mais confiança no que digo, faço e compartilho com o mundo’

 

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Foto de Isabela Moreira
Isabela Moreira
Repórter do Núcleo de Conteúdo da ESPM
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