Mayara Marley, aluna do Fill the Gap da ESPM, compartilha um pouco da sua trajetória e conta o que a trouxe à lista dos 30 Under 30, do Meio & Mensagem
Mayara Marley Souza Santos é uma das 30 jovens selecionadas na 4ª edição da lista 30 Under 30, feita pela publicação Meio & Mensagem, que reconhece profissionais talentosos com potencial de moldar o futuro da indústria.
Formada em Relações Públicas, ela também é uma das alunas da 2ª edição do Fill the Gap, curso voltado à capacitação de altas lideranças, promovido pela ESPM – autoridade em Marketing e Inovação voltada para negócios – em parceria com as agências AlmapBBDO, Artplan e Droga5. Nesta entrevista especial, Mayara conta um pouco sobre sua trajetória, os desafios que precisou enfrentar ao longo da vida e o que essa conquista significa.
O que representa para você estar na lista da 30 Under 30 do Meio & Mensagem? E a que você atribui essa conquista?
Significa cair a ficha de que tudo o que minha família e meus amigos falam sobre mim é real. Digo isso porque sempre ouvi, desde criança, o quão responsável, madura, criativa e revolucionária eu sou. Mas, sabe quando você nem dá bola? Sempre senti que meu trabalho é bem-feito. Porém, aquela frase “não faz mais do que sua obrigação” sempre ressoou na minha mente.
Tive a sorte de estar de férias durante a divulgação da lista. Então, tive uns belos dias de reflexão, em que consegui abrir o meu portfólio, lembrar de todas as pessoas que me conectei em empresas e agências e quantas já vieram até mim extremamente agradecidas, pois, por meio do meu trabalho, eu consegui mudar algo na vida delas.
Atribuo essa conquista a isso e à minha trajetória pessoal. Por ter crescido em um ambiente periférico e com algumas dificuldades financeiras e estruturais vividas pela minha mãe, que é uma mulher preta, lésbica e que foi solo na maior parte do tempo. Consegui observar muito bem quais eram as lacunas que pessoas como eu e minha mãe tinham dentro do ambiente em que vivíamos.
Sinto que ser uma 30 Under 30 amplia, para o mercado, o conhecimento da minha figura e dos meus feitos. Assim como as oportunidades de, com a minha expertise, me conectar com mais profissionais e marcas que estão dispostos a criar pensando em impactar a economia periférica e preta. Além de atingir indicadores estratégicos (KPIs) para a economia corporativa.
No post em que comemora a sua entrada na lista, você falou sobre, muitas vezes, ter tido negado o direito de sonhar grande. O que você quis dizer exatamente com isso?
Crescer na periferia, como eu cresci, muitas vezes é ter que pensar no agora, no básico, na sobrevivência. Sonhar grande soa como um luxo. Desde cedo, vi minha mãe se desdobrar para garantir o essencial, e o meu maior sonho era ter meu pai presente ao meu lado. E ele não estava, porque o sistema não deixava. Oportunidades foram negadas aos meus pais, que sempre me mostraram que a vida não é “um morango”.
Então, por mais excelente que eu quisesse ser, sabia que precisava ter os pés no chão para conseguir retornar dinheiro para dentro de casa. Precisava apoiar financeiramente a minha família. Muitas vezes, me disseram que certos lugares não eram para mim e que eu era “boa demais para a minha origem” ou “inadequada demais para a elite”.
Então, dizer que me foi negado o direito de sonhar grande é lembrar que o sistema tenta limitar até a nossa imaginação. Mas a gente resiste. E, quando a gente entende que pode sonhar, isso realmente se torna uma bússola.
Me lembrei até de um exercício que a professora Ana Minuto fez com a turma do Fill the Gap, que é a lista de 100 sonhos só meus. Ficou nítido o quanto, mesmo conquistando muitos projetos profissionais, não me dei o direito de sonhar com coisas simples, que eu imaginava viver na minha infância, como viajar para a Disney, ser milionária etc. Depois desse destrave, me segura! Porque o céu realmente não vai ser o meu limite.
Em que momento você percebeu que poderia sonhar, algo que hoje você define como uma bússola?
A virada foi quando eu parei de tentar me encaixar no modelo do que diziam ser “profissional ideal” e comecei a usar a minha vivência como diferencial. Como diz a escritora, filósofa, poeta e ativista feminista norte-americana Audre Lorde: “Se eu não tivesse me definido para mim mesma, teria sido esmagada pelas fantasias que outras pessoas fazem de mim e teria sido comida viva”.
Quando entendi que minha origem, história e visão periférica eram ativos valiosos, tudo mudou. Foi aí que percebi que sonhar não era só possível, era necessário. Isso me guiou para trabalhar com impacto social, para empreender, escrever e ocupar espaços que antes pareciam inalcançáveis.
Quais foram os desafios que você precisou enfrentar ao longo da sua jornada profissional?
Tive muitos desafios. O primeiro foi ingressar na Universidade. Sou fruto de políticas públicas. O FIES me salvou, mas, pelo menos na minha época, era um processo tão burocrático… Eu tinha que, a cada semestre, ir de madrugada para uma fila enorme, a fim de conseguir uma validação de aditamento.
Além disso, dentro do ambiente universitário, ouvi de uma professora que eu não estava na profissão correta por causa das minhas notas no primeiro semestre. Nessa época, eu saía para trabalhar às cinco da manhã, chegava em casa à meia-noite e ainda tinha que fazer as atividades, que custavam tempo, ferramentas e dinheiro, coisas às quais eu não tinha acesso.
Existia também uma exclusão social. Eu não tinha colegas de turma que se identificassem com a minha imagem, assim como eu não me identificava com eles, que iam de motorista particular e tinham cartão de crédito dos pais. Isso não é uma crítica. É apenas um reflexo do que vivemos quando saímos da favela para estudar em um local elitizado.
Já no ambiente corporativo, ouvi que minhas roupas não eram adequadas e precisei investir em novas para me encaixar. Já ouvi que não sou boa por não ter repertório fora do país. Já fui demitida porque reivindicava pautas sobre racialidade por viver em um ambiente racista, entre outras barbaridades que, por um tempo, me fizeram me moldar e me calar para garantir sustento.
É como a Sueli Carneiro – filósofa, escritora e ativista do movimento social negro brasileiro – diz: ‘Ser mulher negra é experimentar essa condição de asfixia social’. Mas, com a evolução da pauta de diversidade e inclusão, através de profissionais que vieram para cargos de liderança antes de mim e abriram caminhos, vi que eu poderia plantar sementinhas de ideias e criações em novos ambientes. E, com essa resiliência e paciência, consegui colocar projetos nas ruas e me conectar com pessoas que se identificam com a publicidade dentro de um viés revolucionário.
Você atua na NÓS – Inteligência, uma agência que conecta marcas às periferias. Pode explicar o seu trabalho e o da empresa?
A NÓS é uma empresa de mídias on e off, que conecta marcas às favelas do Brasil com respeito, criatividade e geração de renda. No meu papel como Head de Comunicação, Relações Públicas e Influência, eu crio pontes entre empresas e territórios populares. Também trabalho com posicionamento institucional, cases de impacto, ações com influenciadores periféricos e estratégias que traduzam o que esses territórios realmente querem e consomem.
A NÓS acredita no mesmo propósito que eu e foi o match perfeito para conseguir tirar muitas ideias do papel, com um time incrível e que não mede esforços para fazer ações que realmente impactam aquele ambiente e mostram para o mercado, com números palpáveis, que esse trabalho está longe de ser caridade. É um dinheiro potente que a favela movimenta. Estamos falando de um potencial de consumo de R$ 167 bilhões. Tem ideia? É surreal!
Como a comunicação e a publicidade podem ajudar a transformar a realidade das periferias e favelas do Brasil?
A comunicação tem o poder de legitimar narrativas. Quando as favelas aparecem só com estigmas, isso reforça desigualdades. Mas, quando a gente muda o discurso, valoriza as estéticas, as soluções locais e os talentos, viramos o jogo.
A publicidade pode gerar visibilidade, oportunidades e renda. Pode criar campanhas que movimentam a economia criativa e inspiram outras marcas a fazerem diferente. Mas, para isso, precisa ouvir, cocriar e respeitar esses territórios. Não se trata de falar para a favela, mas de falar com ela.
Como o empreendedorismo entrou na sua vida e o que você aprendeu com a sua marca de acessórios Chrispim-Marley?
A Chrispim-Marley nasceu de uma ligação entre mim e a creator e multiartista Nina Chrispim, entre desabafos e ideias mirabolantes de vivermos um projeto que nos desse retorno financeiro. Mas que também fosse 100% saudável e divertido, além dessa ideia de criarmos um legado para as nossas próximas gerações, por meio dos nossos sobrenomes.
Foi aí que veio a CM, que é uma marca de acessórios com representatividade e ancestralidade, e com o viés de ampliar o consumo dos nossos produtos para os mais variados públicos. Quem sabe um dia abrir uma rede de lojas por aí? Como falei antes, o céu já não é o limite.
O empreendedorismo entrou na minha vida como resposta à necessidade e como exercício de liberdade criativa. Aprendi a lidar com gestão e crise, e entendi que está tudo bem tudo nem sempre dar certo. Que o importante é testar e aprender com os erros. Aprendi, principalmente, sobre a importância de cuidar de um negócio assim como de uma história.
Como está sendo participar do curso Fill the Gap? O que você já aprendeu durante essa jornada e o que espera colher ao final?
Primeiro de tudo, o processo de seleção, achei chique demais! Ser uma das escolhidas, entre tantas pessoas preciosíssimas e dividir essa sala de aula já dá aquela sensação de que venci. Sobre a experiência, está sendo um processo maluco, de forma positiva.
A aula inaugural com a Dilma Campos já me fez encher cinco folhas de caderno com ideias. O módulo com a Ana Minuto é um processo de autoconhecimento e reconhecimento interior e familiar. Com certeza, já consegui desatar muitos nós na minha vida em um curto espaço de tempo.
Agora, estamos no módulo “Consciência de Impacto” com a Verônica Vassalo, que se conecta totalmente com o módulo anterior e nos oferece acesso a técnicas e teorias brilhantes.
Além disso, o Fill the Gap me permite trocar com outras lideranças diversas, refletir sobre gestão, inovação e novos modelos de futuro para o mercado. Já aprendi muito sobre escuta ativa, estratégias de crescimento saudável e como equilibrar propósito e resultado.
Ao final, espero sair ainda mais preparada para liderar com consciência e técnica, e continuar abrindo caminhos para outras pessoas. Além de construir processos mais justos, criativos e sustentáveis dentro da publicidade e da comunicação.