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‘Viver em mundos diferentes me fez uma pessoa criativa e questionadora’

Premiada em Cannes, aluna do Fill The Gap da ESPM e talento da lista 30 Under 30 do Meio & Mensagem, Milena Cruz fala sobre seus desafios e suas conquistas

 

Nascida e criada no Jardim Imperador, bairro da zona leste de São Paulo, Milena Oliveira da Cruz, de 25 anos, tem trilhado uma trajetória repleta de desafios, sonhos, coragem, propósito, representatividade e criatividade.

 

Atualmente Gerente de Negócios na agência GUT São Paulo, ela já foi premiada em Cannes e, em 2025, foi incluída no 30 Under 30 do veículo Meio & Mensagem, uma lista que destaca jovens profissionais com potencial para transformar o futuro da comunicação.

 

“Reconhecer jovens líderes é uma forma de credenciá-los dentro da indústria da comunicação, abrindo caminhos para que ocupem espaços de tomada de decisão”, afirmou Cruz em entrevista ao Blog ESPM.

 

Formada em Publicidade e Propaganda, a jovem integra a 2ª edição do Fill the Gap, curso voltado à capacitação de grupos sub-representados para preencher cargos de alta liderança no mercado da comunicação. A iniciativa é promovida pela ESPM – autoridade em Marketing e Inovação voltada para negócios – em parceria com as agências AlmapBBDO, Artplan e Droga5.

 

 

Como foi receber a notícia de que você foi selecionada para a lista 30 Under 30 do Meio & Mensagem?

Foi como dar um abraço na minha versão do passado. Ser reconhecida como uma das 30 Under 30 do M&M é um sonho que eu nunca havia sonhado porque, sinceramente, não achava que poderia ser real. Hoje, celebro essa conquista com muito orgulho. Sei que o que me trouxe até aqui foi a minha singularidade em encontrar um jeito de alcançar meus objetivos, mesmo aqueles que ainda nem imagino.

 

 

Quais aspectos da sua história pessoal mais influenciaram sua escolha profissional e despertaram seu interesse pela comunicação?

Para falar de mim, é preciso mencionar a minha ancestralidade: sou filha do Maurício, ex-boxeador profissional, e da Fernanda, que trabalha com estamparia serigráfica. Meus pais são separados desde os meus dois anos de idade, e viver em mundos completamente diferentes me fez uma pessoa criativa e questionadora.

A primeira vez que reconheci o que era uma publicidade foi ainda na infância. Eu havia visto uma matéria sobre os bastidores e como tudo era construído em uma novela. Quando vi um comercial de protetor solar, me perguntei como aquilo tinha sido feito. Foi aí que descobri que os comerciais eram criados por publicitários. E isso me interessou de alguma maneira.

Depois disso, só voltei a me conectar com a publicidade quando cursei a ETEC de Comunicação Visual. Apesar de ter sido um curso muito voltado ao design, havia matérias sobre marketing que chamaram a minha atenção. Foi a partir desse interesse que decidi fazer a graduação em Publicidade e Propaganda.

 

 

Como uma jovem do Jardim Imperador se tornou gerente de negócios, atuando com grandes marcas?

Quando leio essa pergunta sinto até um arrepio. Estudo e muito trabalho me trouxeram até aqui, mas não de uma forma meritocrática, longe disso. Foi, na verdade, uma questão de resistência: minha bolsa do Prouni, a venda de trufas e produtos Mary Kay, o trabalho na estamparia com a minha mãe, a experiência como designer de panfletos em uma escola de inglês e até a atuação como arquivista de diplomas me levaram a esse lugar. Hoje sou Gerente de Negócios em uma grande agência de publicidade por pura teimosia, porque não era esse o plano que o mundo tinha para mim.

 

 

Como sua origem e vivências pessoais moldaram seu percurso profissional?

Minha origem e vivências estão completamente conectadas às dificuldades que enfrentei, e continuo enfrentando, na indústria. No meu primeiro ano de estágio, eu mal conseguia falar sobre mim em almoços casuais. Havia o receio dos julgamentos e a sensação de que estava invadindo o espaço de uma elite que nunca havia acessado. Por um tempo, essa falta de espontaneidade atrapalhou muito o meu aprendizado.

Hoje sou totalmente compreensiva com a Milena de 19 anos, que se sentia acuada ao perceber a discrepância de realidades entre o mundo “real” e o mundo da Vila Olímpia. Além disso, o racismo estrutural sempre bateu ponto junto comigo. Demorei muito para reconhecê-lo no ambiente de trabalho também. Parecia coisa da minha cabeça, mas não. Nesse caso, nunca é. Ele é silencioso, mas grita. E me atravessa!

 

 

Existe algum projeto ou momento que você considera um divisor de águas na sua carreira?

Lembro do meu primeiro ano de estágio, quando estava em crise porque não conseguia me sentir confortável para ser eu mesma no trabalho dos meus sonhos. Achava isso profundamente injusto — e foi aí que precisei voltar ao começo. Entendi que o lugar que quero alcançar não foi feito para pessoas como eu. Então, o caminho vai ser assim mesmo: às vezes solitário, às vezes acompanhado de pessoas que compartilham vivências semelhantes às minhas. Meu trabalho agora é chegar nesses espaços e trazer mais pessoas talentosas que desejam estar aqui, enfrentando barreiras não apenas como as que eu enfrento enquanto mulher preta, mas também em diversas pluralidades.

 

 

Conte para nós sobre suas experiências profissionais mais marcantes, incluindo o prêmio em Cannes.

Para mim, as experiências mais marcantes são aquelas que fogem da publicidade comum e buscam resolver uma dor real ou dar acesso a algo que é difícil.

Uma das minhas primeiras entregas que fiz foi o game show Gincana da Grana para o Mercado Pago, apresentado pela Sabrina Sato e pela Nath Finanças. O programa teve cinco episódios veiculados na TV aberta. Usamos o humor para abordar educação financeira de forma divertida e didática, que, na época, era um pilar muito importante para a marca, além de ser um tema pouco acessível para o público. Foi a minha primeira experiência unindo entretenimento e publicidade, e com certeza foi um marco que me trouxe um novo olhar sobre branded content.

Outro projeto que destaco é o meu trabalho do coração: Respeita Meu Capelo, da Vult. Os capelos de formatura não foram feitos para os cabelos das pessoas negras. E, apesar do aumento da presença de estudantes negros nas universidades, no momento mais simbólico da celebração — a formatura — muitas não se sentem pertencentes, simplesmente porque o chapéu não encaixa em seus cabelos.

Por isso, a Vult, junto com a Dendezeiro, desenvolveu quatro modelos de capelos que atendem a diferentes tipos de cabelo. O projeto é open source, o que permite que universidades e produtoras de formatura confeccionem os capelos e os ofereçam em suas cerimônias.

 

 

O que esse tipo de visibilidade, como o prêmio em Cannes, representa para você, sua carreira e para outras jovens profissionais que se veem na sua trajetória?

O projeto Respeita Meu Capelo só cresceu desde o lançamento: teve ampla repercussão na mídia, ganhou diversos prêmios, incluindo dois Leões em Cannes no ano passado e, novamente este ano, na categoria Glass, que é especialmente desafiadora. E o melhor: virou lei em Salvador. Agora, todas as formaturas na cidade devem fornecer capelos que respeitem a diversidade dos cabelos. Para mim, uma mulher preta que se formou sem poder usar o capelo, fazer parte disso e ver esse reconhecimento significa muito. Isso me impulsiona ainda mais a continuar fazendo campanhas que abordem tensões na sociedade.

O reconhecimento em premiações como Cannes é muito relevante, porém não é apenas isso que faz um trabalho ser importante para mim. O que realmente vale a pena é ver projetos com marcas ajudando a resolver dores reais, especialmente para pessoas como eu.

 

 

De que forma o curso Fill the Gap tem impactado seu desenvolvimento profissional?

Já venho sentindo diferença na forma como faço minha autogestão e conduzo algumas situações. Tenho aprendido, primeiramente, a me autoperceber e me conhecer, entendi que é uma parte importantíssima para liderar pessoas. O curso também traz provocações e amplia o campo de visão, o que é muito positivo para o meu crescimento.

Iniciativas como essa, que capacitam pessoas de grupos sub-representados para ocupar posições de destaque no mercado da comunicação, são muito necessárias em um país que, apesar de ser muito diverso, ainda apresenta uma indústria pouquíssimo equitativa e inclusiva. O caminho é mais longo para algumas pessoas, e uma formação com esse objetivo é, realmente, muito potente.

 

 

Que tipo de impacto você gostaria de causar no mercado e na sociedade?

Meu objetivo é ser a pessoa que provoca reflexão. Quero gerar incômodos construtivos que conduzam a mudanças positivas, engajando todos em uma jornada conjunta.

 

 

Quais mudanças você gostaria de ver no mercado nos próximos anos, e como pretende contribuir para isso?

Uma das mudanças que desejo ver está ligada à transformação dos valores no ambiente de trabalho. Entregar um trabalho de excelência é fundamental, mas é preciso repensar o custo emocional que muitas vezes pagamos por isso. Cada vez mais pessoas reconhecem que não vale a pena abrir mão de saúde e vida pessoal por mais um projeto entregue. É possível conciliar a ambição de realizar projetos grandiosos com um ambiente que valorize bem-estar e alta performance. Minha contribuição será por meio de uma liderança que crie um espaço seguro, colaborativo e inspirador, onde todos possam expressar seu potencial sem comprometer sua essência.

Outra mudança que desejo ver acontecer é o aumento de mulheres negras em cargos de liderança. Hoje, segundo o Pacto Global (2023), apenas 10% da liderança corporativa é composta por mulheres negras, um dado que não reflete a diversidade da nossa sociedade. Quero colaborar com essa transformação criando mais espaços, promovendo discussões sobre diversidade e buscando parcerias com organizações que valorizem a equidade racial.

 

 

Leia perfis de outros participantes do Fill the Gap:

Tawane Silva: ‘A comunicação é um fator de transformação ambiental e racial, que pode construir e mudar a sociedade’

Mayara Marley: ‘Quando entendi que minha origem, história e visão periférica eram ativos valiosos, tudo mudou’

Renan Damascena: ‘A autonomia me levou a ter mais confiança no que digo, faço e compartilho com o mundo’

 

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Foto de Carla Nogueira
Carla Nogueira
Repórter do Núcleo de Conteúdo da ESPM
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